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Terá existido sempre tectónica de placas?

Efetivamente, é quase do conhecimento geral de todos que o globo terrestre se apresenta multiplamente fragmentado em pedaços que se movem, aos quais intitulamos de placas tectónicas. Através da Teoria da Deriva Continental e dos seus argumentos respetivos, sugerida por Alfred Wegener no início do século XX, foi possível provar (quase inequivocamente) a existência de um antigo supercontinente designado por Pangaea, hipóstese que, posteriormente, foi sustentada pela teoria atualmente mais aceite pela comunidade científica mundial em relação à movimentação continental – a teoria da tectónica de placas. Contudo, terá este fenómeno ocorrido em períodos anteriores à Pangaea? Se sim, desde quando? Para proceder ao estudo da existência pré-paleozoica do fenómeno da tectónica de placas, necessitamos, claramente, de recuar no tempo e nos esforçarmos para compreender o que movimenta os continentes, bem como o que proporciona a existência de tal mecanismo.


Conceção artística da Terra na sua fase inicial. (c) Pixbay

Diferenciação gravítica

Sumariamente, tudo se inicia após a formação da Terra, outrora um protoplaneta, formado há 4.56 mil milhões de anos, cuja crusta superficial aparenta existir há aproximadamente 4.40 mil milhões de anos (tal como demonstram as análises químicas dos minerais de zircão encontrados em fragmentos de rocha nas montanhas de Jack Hills, na zona oeste australiana (1)).

Os diversos processos de acreção permitiram o aquecimento do interior da proto-Terra, onde os elementos mais densos, como o ferro e o níquel, tenderam a alojar-se no seu núcleo e, os menos densos (oxigénio, cálcio, magnésio e silício), em zonas mais superficiais, proporcionando a existência de um núcleo interno liquidificado devido às condições de pressão e temperatura (potenciados pela força gravítica de todo o material), bem como a formação de um manto composto por matéria mais dúctil. À superfície, onde as temperaturas eram menores, a rocha incandescente tendeu a solidificar (embora tenha sido alvo de grandes bombardeamentos durante milhares de milhões de anos), formando, portanto, uma crusta sólida. Este processo de separação do material terrestre por camadas devido à ação da gravidade, ficou designado por diferenciação gravítica da Terra (2).


Tectónica de placas: uma consequência da diferenciação gravítica

Após a formação de uma sólida e consistente crusta no nosso planeta, o processo de diferenciação gravítica despoletou, no interior do manto, um mecanismo convectivo, isto porque começaram a ocorrer diferenças de temperatura entre a zona inferior (mais quente) e superior (mais fria) do manto, permitindo à Terra iniciar um sistema de libertação energia acumulada desde a acreção planetária, que perdura até hoje. No entanto, muitas dúvidas sobre o início exato do processo de tectónica de placas ainda pairam sobre este tópico, visto que detemos pouquíssimas amostras de rocha continental desta época, essenciais para a compreensão da história do planeta. Teorias, como a de Tomas Naeraa (3), sugerem que, após a diferenciação gravítica, o manto (na sua íntegra) se manteve aproximadamente à mesma temperatura, pelo que, grandes quantidades de plumas mantélicas ascenderam das profundezas, perto do núcleo, trazendo consigo material até à fina e jovem crusta terrestre. Todo o mecanismo de convecção que influenciou de forma indireta a crusta da Terra, só viria a manifestar-se depois de um arrefecimento do manto que permitiu a existência de um significativo gradiente térmico. Não obstante, sugere-se que todo este conjunto de regimes que proporcionou o início da tectónica de placas se desenvolveu há cerca de 3.2 a 3.6 mil milhões de anos atrás e, como sabemos, o último supercontinente conhecido que se gerou foi, precisamente, a Pangaea, há aproximadamente 335 milhões de anos (entre o paleozoico e o mesozoico) (4). Com o conhecimento atual acerca do processo em questão, embora dúbio em alguns aspetos, podemos insinuar que, após o desenvolvimento do mecanismo de tectónica de placas, a crusta foi se fraturando em pedaços gigantes, não só nas zonas onde a matéria mantélica dúctil descendia (zonas de subducção) como também nas zonas onde esta ascendia. Os pedaços da crusta mais densos, potenciados pela convecção, ação gravítica e empolamento térmico, desceram pelo manto, da mesma forma que as partes menos densas permaneceram na superfície, originando e diferenciando, respetivamente, a crusta oceânica e continental, tal como sugere um estudo (5) publicado na revista Nature, que considera que as primeiras zonas de subducção formadas no planeta Terra, para além de gerarem influências sobre outras zonas próximas de modo a que estas sofreressem o mesmo processo, correspondem também, ainda hoje, a zonas de subducção existentes na crusta terrestre. Toda a crusta continental acabaria por se movimentar à medida que a crusta oceânica proliferava (de forma mais rápida), pressionando a plataforma continental e despoletando o seu deslocamento.


Anteriormente à Pangaea

Todavia, impõe-se a questão: terão existido, anteriormente à Pangaea, outras super-agregações de continentes? Tudo indica que sim. Em 1970, Valentine & Moores foram, de facto, os primeiros cientistas a propor, num estudo (6) e numa reconstrução, a existência de um supercontinente da era do pré-câmbrico, ao qual denominaram Rodina. Este supercontinente ter-se-á originado há cerca de 1.1 mil milhões de anos, resultando de fragmentos de um outro anterior supercontinente, Columbia, proposto em 2002 por Rogers & Santos que, eventualmente, se terá gerado há aproximadamente 2.5 mil milhões de anos. Existem ainda hipóteses relativamente bem sustentadas que propõem a existência de outras grandes agregações continentais anteriores ao Columbia, como o Kenorland (c. 2.7-2.1 Ga atrás), o Ur (c. 3 Ga atrás) e o Vaalbara (c. 3.6-2.8 Ga atrás), aparentando criar uma espécie de ciclo periódico de supercontinentes que ocorre em intervalos entre 300 e 500 milhões de anos (7).


Tectónica de placas como a ‘chave’ para a vida na Terra

Todo este engenho físico da tectónica de placas afigura ter desempenhado um papel crucial na existência de toda a vida que hoje observamos no nosso planeta. Sabe-se que, a existência de grandes vales nas zonas compreendidas entre os riftes (locais de divergência de placas) e os taludes continentais, permitiram a formação de grandes oceanos e, associados ao vulcanismo extremamente ativo (eventos que ocorreram por ação do processo tectónico de placas durante milhares de milhões de anos), proporcionaram a emanação de gases, como o CO2 e o vapor de água e, por conseguinte, permitiram o desenvolvimento de uma atmosfera na Terra (essencial à vida), um sistema climático e o aparecimento dos primeiros seres vivos no planeta (unicelulares). Recordando a teoria evolucionista de Charles Darwin, todo o encadeamento de deslocação continental permitiu, efetivamente, que muitas populações de espécies evoluíssem através de seleção natural devido, maioritariamente, às alterações do meio onde coabitavam, acabando por produzir toda a espécie animal e vegetal existente8.

Com efeito, a discussão supra apresentada possibilita-nos retirar algumas conclusões acerca da pergunta-objetivo deste ensaio: terá o mecanismo da tectónica de placas sempre existido? Tomando a formação da Terra como origem do nosso referencial temporal, a resposta é um sim, embora aproximado, tendo em conta que o período entre o momento exato da criação da Terra e o início das diferenciações gravíticas e dos processos de convecção no manto ainda é, em termos de tempo geológico, relativamente significativo. Porém, se excluirmos dos nossos cálculos este “atribulado arranque” do nosso planeta, podemos concluir afirmativamente que o processo de tectónica de placas não só sempre existiu no nosso planeta, como também se revelou um elemento essencial para a existência de vida na Terra. De facto, desde os argumentos geofísicos, geológicos e biológicos apresentados, até às observações que fazemos hoje em dia em relação à dinâmica interna da Terra, conseguimos efetivamente, com poucas margens de erro, inferir sobre eventos do passado e, de alguma forma, compreender melhor o futuro.


Bibliografia

1 Simon A. Wilde, et al.: Evidence from detrital zircons for the existence of continental crust and oceans on the Earth 4.4 Gyr ago, Nature Geoscience, 2001

2 Grotzinger, John P.; Jordan, Thomas H. Understanding Earth (7th edition).

3 Tomas Naeraa, Anders Scherstén, M. T. Rosing, A. I. S. Kemp, J. E. Hoffmann, et al.: Hafnium isotope evidence for a transition in the dynamics of continental growth 3.2Gyr ago, Nature Publishing Group, 2012.

4 Rogers, J.J.W., Santosh, M. (2004), Continents and Supercontinents, Oxford: Oxford University Press, p. 146

5 Claire Mallard, Nicolas Coltice, Maria Seton, R. Dietmar Müller & Paul J. Tackley.: Subduction controls the distribution and fragmentation of Earth’s tectonic plates, Nature, 2016.

6 Li Z.X. et al (2008). Assembly, configuration, and break-up history of Rodinia: a synthesis. Precambrian Research 160: 179–210

7 Zhao, Guochun; Cawood, Peter A.; Wilde, Simon A.; Sun, M. (2002). Review of global 2.1–1.8 Ga orogens: implications for a pre-Rodinia supercontinent. Earth-Science Reviews. 59 (1–4): 125–162

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